quarta-feira, 31 de maio de 2023

 Título: TEMPOS DE COVID: DESDE O MEU RINCÃO; VIDA, FAZENDA,  ALDEIA, SAUDADE,  TERRA, GALOS E QUINTAIS


Num dia eram os aldeões, foices e enxadas em punho, a caminho de suas lavouras.

No outro, eram anciões solitários a cismar, sem os filhos, morando longe, e sem 

a companheira, que foi visitar o céu mais cedo.

Num dia, eram só crianças a caminho da escola.

No outro, eram crianças sem futuro, indo-se da terra natal.

Num dia, eram os velhos vertendo lágrimas de saudades.

No outro, era o sentimento de impotência e o conformismo pelo ocorrido.

Num dia eram só mães, dizendo aos filhos viajores um "até logo"!

No outro, são mães que estão sem saber o quê dizer.

Num dia, são pais que ficam tomando conta das terras.

No outro, cansam da espera; que não sabiam tão longa....

Num dia, chegavam aos cafezais às cinco horas da manhã.

No outro, já não haviam cafezais....


Num dia, eram só homens a regressar do trabalho à casa.

No outro, eram homens sem casa para regressar....

Num dia, eram só pais dando as mãos aos filhos para atravessarem

a longa estrada da vida.

No outro, são filhos que dixam os pais à margem da estrada, pois 

os velhos já não conseguem acompanhar seus passos....

Num dia, chegou a pandemia: além dos sintomas, com ela chegou o 

desemprego; e as esperanças e finanças definharam...

E, da noite para o dia escureceu! E a manhã ainda não rompeu; os 

galos das fazendas e das aldeias ainda não teceram mais uma manhã.

E a humanidade está de olhos fechados. 

- Ainda teremos tempo de salvar a todos; ou em parte?

terça-feira, 20 de março de 2018

Mirandês x Caipirês

 Título: TEMPOS DE COVID: DESDE O MEU RINCÃO; MINHA FAZENDA, MINHA ALDEIA, MINHA TERRA, NOSSA TERRA


Num dia eram os aldeões, foices e enxadas em punho, a caminho de suas lavouras.

No outro, eram anciões solitários a cismar, sem os filhos, morando longe, e sem 

a companheira, que foi visitar o céu mais cedo.

Num dia, eram só crianças a caminho da escola.

No outro, eram crianças sem futuro, indo-se da terra natal.

Num dia, eram os velhos vertendo lágrimas de saudades.

No outro, era o sentimento de impotência e o conformismo pelo ocorrido.

Num dia eram só mães, dizendo aos filhos viajores um "até logo"!

No outro, são mães que estão sem saber o quê dizer.

Num dia, são pais que ficam tomando conta das terras.

No outro, cansam da espera; que não sabiam tão longa....

Num dia, chegavam aos cafezais às cinco horas da manhã.

No outro, já não haviam cafezais....


Num dia, eram só homens a regressar do trabalho à casa.

No outro, eram homens sem casa para regressar....

Num dia, eram só pais dando as mãos aos filhos para atravessarem

a longa estrada da vida.

No outro, são filhos que dixam os pais à margem da estrada, pois 

os velhos já não conseguem acompanhar seus passos....

Num dia, chegou a pandemia: além dos sintomas, com ela chegou o 

desemprego; e as esperanças e finanças definharam...

E, da noite para o dia escureceu! E a manhã ainda não rompeu; os 

galos das fazendas e das aldeias ainda não teceram mais uma manhã.

E a humanidade está de olhos fechados. 

- Ainda teremos tempo de salvar a todos; ou em parte?

sábado, 24 de agosto de 2013

Tirei do site: www.boacomida.com.br

Título: Doces Brasileiros

Um doce é a poesia da Cora Coralina; confira:

Todas as Vidas

Cora Coralina

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro,
Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d'água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem recheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca grossa,
de chinelinha,
e filharada.

Vive dentro de mim
a mulher roceira.
- Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.

Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida -
a vida mera das obscuras.

 
 
 
Aqui vai um texto de Gilberto Freire a respeito dos doces brasileiros:
 

HISTÓRIA DO DOCE BRASILEIRO

"Sem a escravidão não se explica o desenvolvimento no Brasil de uma arte de doce, de uma técnica de confeitaria, de uma estética de mesa, de sobremesa e de tabuleiro, tão cheias de complicações e até de sutilezas e exigindo tanto vagar, tanto lazer, tanta demora, tanto trabalho no preparo e no enfeite de doces, dos bolos, dos pratos, das toalhas, das mesas. Só o grande lazer das sinhás ricas e o trabalho fácil das negras e das molecas explicam as exigências de certas receitas das antigas famílias das casas-grandes e dos sobrados".
            Gilberto Freyre


    Provérbios herddos dos colonizadores

=>        "com papas e bolos se enganam os tolos" adágio português
Os primeiros doces chegaram ao Brasil com a esquadra de Pedro Alvares Cabral, em Abril de 1500. Foram ofertados como presentes, aos índios de Porto Seguro que ate então desconheciam completamente a arte. Logo as senhoras portuguesas trariam suas receitas cheias de segredos que pouco a pouco foram ensinando as cunhãs.
Segundo o historiador Câmara Cascudo, entre 1569 e 1587, Gabriel Soares de Sousa informava a Corte, em suas cartas: "as cunhãs indígenas tem muita habilidade, e para fazerem cousas doces, e fazem-se extremadas cozinheiras; mas são muito namoradas e amigas de terem amores com os homens brancos".
Portugal vivia no século XVI, a opulência do OURO BRANCO desde o surgimento do "assucre" madeirense, As receitas das mesas senhoriais foram levadas pelas freiras nobres que confeccionavam doces finos e sofisticados, para as embaixadas da Corte e do Papa. Esta doçaria conventual era marcada por uma personalidade muito própria diferenciando assim os inúmeros doces: bolo prior, barriga de freira, frades, beijos de frades, lágrimas, doce de esperança, fatias de bispo, pudim princesa, sopa da rainha, papos de anjo etc. Apesar dos ingredientes da doçaria conventual serem abundantes em frutas cristalizadas, especiarias, amêndoas, vinho, a enorme quantidade de ovos utilizado nas receitas foi a principal característica da época. Os confeiteiros ou mestres do açúcar criavam uma doçaria escultória enquanto os pães de açúcar, as conservas de frutas: cidradas, aboboradas, nesperadas, pessegadas, uvadas, laranjadas, batatadas, marmeladas eram recomendados nas receitas, para chegar até o ponto de espadana porque se destinavam ao embarque. As geléias caseiras também já eram muito apreciadas.
Logo os produtos da nova terra foram adaptados as receitas portuguesas. A farinha de trigo, os ovos e o leite vinham de Portugal. Como quase todas as senhoras eram analfabetas, muitas das receitas originais se perderam no tempo. Vamos ilustrar este período com algumas receitas como são preparadas hoje.
"O açúcar refinou o paladar brasileiro, dando-lhe densidade histórica por intermédio dos doces e bolos"
            Gilberto Freyre



Com o cultivo da cana-de-açúcar, a mão de obra escrava abundante e a tradição doceira dos portugueses, nossas iguarias se enriqueciam ganhando sabores tropicais, reinventadas por mãos de habilidosas cozinheiras. O milho e a mandioca se transformaram em sobremesas e bolos obrigatórios nas cozinhas coloniais. As frutas da terra tornavam-se compotas e doces nobres, oferecidos com estilo, nas mesas senhoriais. Outros doces portugueses como a alféola, feito com melado, foram rebatizados - é o nosso puxa-puxa ou alfenim. Os quindins de iaiá, os pés-de-moleque, os beijinhos de coco, os bons-bocados, os quero-mais e tantas outras inspirações se somavam aos suspiros, as ambrosias, aos olhos-de-sogra, aos sonhos, aos espera-maridos, aos toucinhos do céu, aos manjares, bolos e pudins, etc. que eram cuidadosamente confeccionados pelas donzelas e jovens senhoras com seus enxames de negras auxiliares, para exibirem seus dotes culinários. O pudim de leite exigia o domínio de muitos segredos, muita paciência e muita ansiedade ao desenformar!
Com a chegada do arroz, entre 1769 e 1779, surgiram o arroz-doce e as mães-bentas, tão populares na nossa doçaria. No Nordeste açucareiro, homenagens as famílias ou aos engenhos eram feitas através de receitas especiais de bolos como o Souza Leão, Luís Felipe, Guararapes, Dona Dondom, Fonseca Ramos, etc. que persistem até os nossos dias.
No início de 1890, chegava ao Brasil o Leite Condensado importado da Suiça que trazia na latinha a figura de uma moça. Logo o novo produto entrava na cozinha brasileira facilitando a confecção e a invenção de novos doces. Assim, a República foi homenageada com o Pudim Republicano que nada mais era que um Toucinho do Céu mais leve e suave que levava Leite Moça na receita. O Pudim Sete de Setembro, o Bolo Farroupilha, o Pudim Treze de Maio e tantas outras homenagens das nossas doceiras se perderam na história. Na década de quarenta porém, foi a vez de homenagear um jovem solteiro, bonito e esbelto, o brigadeiro Eduardo Gomes com um docinho que juntava o Leite Moça ao chocolate e que se tornou o mais popular das festas brasileiras. Vieram o Pudim de Leite Moça, os pavês, os manjares, os sorvetes e tantas outras receitas que facilitavam a vida de nossas mulheres, à medida em que chegavam as geladeiras e os fogões a gás.
RECEITAS DA DOÇARIA PORTUGUESA
BARRIGAS DE FREIRA
para o doce
ingredientes:

  • 500g de açúcar
  • 1 xícara de água
  • 12 gemas
  • 6 claras
  • manteiga o quanto baste
modo de fazer:
Fazer uma calda em ponto de "cabelo" com o açúcar e a água que se reserva para empregar sucessivamente. Tirar uma parte dessa calda, para uma frigideira e põe-se ao lume para ferver. Deitam-se colheradas de gemas batidas com as claras, que, caindo na calda alastram e coagulam rapidamente pela parte inferior; deitam-se por cima dos ovos bocados de manteiga e deixa-se ferver, até que os ovos estejam cozidos na calda. Retiram-se com a escumadeira e colocam-se sobre as fatias de Pão de Ló.
Pão de Ló
ingredientes:
  • 250g de ovos
  • 200g de gemas
  • 250g de açúcar
  • 100g de farinha de trigo
modo de fazer:
Bater as claras em neve. Acrescentar as gemas, uma a uma. Juntar o açúcar aos poucos. Peneirar a farinha de trigo sobre os ovos batidos, mexendo lentamente para incorporar. Assar em tabuleiro untado, sobre papel manteiga untado e polvilhado. Assar em forno brando por cerca de 25 minutos. Cortar em fatias e cobrir com o doce.
FATIAS DE BISPO
ingredientes:
  • 400g de pão de forma
  • 8 ovos
  • 500g de açúcar
  • 1 xícara de água
  • 50g de manteiga
  • canela o quanto baste
modo de fazer:
Preparar uma calda com o açúcar e a água em ponto de espadana. Juntar a manteiga. Bater os ovos e envolver as fatias. Lançar as fatias na calda que deve estar numa vasilha larga. Tirar com uma escumadeira e colocar numa travessa, polvilhe com canela em pó. Por fim, regue com a calda que sobrou.
PAPO DE ANJO
ingredientes:
  • 1 kg de açúcar
  • 1/2 litro de água
  • 24 gemas
  • cravo o quanto baste
modo de fazer:
Fazer uma calda em ponto de cabelo com o açúcar e a água, perfumada com os cravos. A parte, bater as gemas por 30 minutos, até dobrarem de volume. Coloque em forminhas de empada bem untadas com manteiga e asse até ficarem ligeiramente douradas. Desenforme um a um e jogue na calda quente. Deixe esfriar numa compoteira e leve ao refrigerador.
OVOS NEVADOS
merengue ingredientes:
  • 6 claras
  • 12 colheres de sopa de açúcar
  • 1 litro de leite
modo de fazer:
Bater as claras em neve, acrescentar o açúcar aos poucos até ficar um merengue bem firme. Ferva o leite e cozinhe bocados de claras, deitadas as colheradas no leite. Retire com uma escumadeira e reserve.
Creme inglês:
ingredientes:
  • 6 gemas
  • 6 colheres de sopa de açúcar
  • baunilha a gosto
  • 2 xícaras do leite que sobrou do cozimento
modo de fazer:
Bater as gemas com o açúcar até ficar um creme claro e leve. Junte o leite quente e a baunilha. Volte ao fogo para engrossar. Deixe esfriar e regue os merengues. Sirva gelado.
RECEITAS DA DOÇARIA BRASILEIRA:
AMBROSIA - é a Ambrósia portuguesa, sobremesa comum nos lares de nossos avós em dias festivos... tão simples e tão requintada.
ingredientes:
  • 6 gemas
  • 4 ovos
  • ½ litro de leite
  • 1 ½ xícara de água
  • 400g de açúcar
  • canela em pau a gosto
modo de fazer:
Fazer uma calda com o açúcar e a água em ponto de fio brando. Juntar a canela. Bater ligeiramente, os ovos com as gemas, acrescentar o leite e tornar a bater. Jogar na calda quente e deixar ferver. Não desmanchar os pedaços. Aguardar o ponto da calda. Retirar do fogo e esfriar. Servir em compoteira, à temperatura ambiente.
ARROZ DOCE - fiel à sua origem portuguesa, servido até hoje, não só nas festas juninas de todo o Brasil, mas nas mesas onde se preserva este saudável gostinho de nostalgia.
ingredientes:
  • 250g de arroz
  • 750ml de leite
  • 250g de açúcar
  • 3 gemas peneiradas
  • 1 colher de sopa de manteiga
  • uma pitada de sal
  • casca de limão
  • canela em pau
Modo de fazer:
Cozinhe o arroz em água com a pitadinha de sal. Mude para outra caçarola, junte o leite e deixe cozinhar até ficar bem mole. Junte o açúcar, a canela e a casca de limão. Deixe cozinhar mais um pouco, em fogo brando. Junte as gemas diluídas em um pouquinho de leite e a manteiga, e mexa de vez em quando. Retire do fogo, divida em taças e polvilhe com canela em pó.
BABA DE MOÇA - lembra a receita de Ovos moles portugueses ao qual adicionamos leite de coco. Na Paraíba, porém, uma receita muito peculiar, não pede ovos e o coco é utilizado ainda verdoso.
ingredientes:
  • 350g de açúcar
  • 1 xícara de água
  • 12 gemas peneiradas
  • 1 xícara de leite de coco
  • 1 colher de sopa de manteiga com sal
  • 1 pitada de amido de milho
  • canela em pau a gosto
modo de fazer:
Faça uma calda em ponto de fio com o açúcar, a água e a canela. Deixe esfriar um pouco, e junte as gemas diluídas no leite de coco com o amido de milho. Volte ao fogo brando, mexendo sempre até engrossar (não deixe ferver). Retire do fogo, junte a manteiga, mexa bem e deixe esfriar.
BEIJINHO DE COCO - ninguém resistia ao colorido dos papeis tão caprichosamente arrumados nas mesas de aniversário. Quanta impaciência para aguardar o momento do deleite...
ingredientes:
  • 1 coco ralado
  • 6 gemas peneiradas
  • ½ kg de açúcar
  • 1 xícara de leite
  • baunilha a gosto
modo de fazer:
Ferva o leite com o açúcar, em fogo baixo, até começar a ficar com a cor de caramelo. Misture então, o coco seguido da gemas e a baunilha. Volte ao fogo brando, mexendo sempre até ficar como um angu. Despeje num recipiente untado com manteiga e deixe esfriar. Enrole as bolinhas, passe no açúcar, envolva em papel de seda colorido.
BEM-CASADOS - originários do interior do Brasil, estes delicados biscoitinhos recheados que teriam nascido nos batizados de bonecas, são uma atração à parte nas festas de casamento, sobretudo em Minas Gerais e São Paulo, quando aparecem embalados em tules ou papel crepom e fitas...
ingredientes:
  • 1 ½ xícara de farinha de trigo
  • 1 ½ xícara de amido de milho
  • 5 colheres de sopa de açúcar
  • 1 xícara de manteiga
  • 2 gemas
  • ½ xícara de leite morno
  • uma pitada de fermento em pó
  • 150g de geléia de goiaba
modo de fazer:
Numa bacia, misture todos os ingredientes, exceto a geléia. Abra a massa com um rolo e corte, com um cortador, pequenos círculos de pouco mais de meio centímetro de espessura. Asse em tabuleiro polvilhado com farinha, em forno brando, até que comecem a dourar. Deixe esfriar e una dois a dois com a geléia, passando em seguida no açúcar glacê.
BOLO DE FUBÁ
ingredientes:
  • 2 xícaras de fubá
  • 2 xícaras de leite
  • 2 xícaras de açúcar
  • 100g de manteiga
  • 4 ovos
  • 1 colher de sopa de fermento
  • 200ml de leite de coco
  • 100g de coco ralado desidratado
modo de fazer:
Leve ao fogo o fubá, o leite. o açúcar e a manteiga até virar um mingau mole, sem deixar ferver. Retire do fogo, deixe esfriar um pouco e acrescente as 4 gemas, o fermento dissolvido no leite de coco, e o coco desidratado. Misture tudo muito bem e junte delicadamente as claras batidas em neve. Levar ao fogo pré-aquecido, em tabuleiro untado e polvilhado com farinha, por cerca de 30 minutos.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

A Primeira Noite do Mundo
Autor: José Varella de Oliveira

Vilarana
na estória geral do rio das amazonas, eis a vila que nem vila era: Vilarana do Curralpanema, a flor dos tijucos e aningais. Utopia posta à margem do limbo metafísico, onde a imaginação gosta de zombar da realidade e reinventar a paisagem da memória.
sexta-feira, 27 de agosto de 2010

travessia da primeira noite do mundo

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… desde jitinho Quinquinhas ouvia a mãe e o pai contarem estórias das origens de Vilarana. Agripino falava da terra e queria ver o filho na marinha mercante, Adélia pelo contrário sonhava ver o pirralho no seminário para ser no futuro vigário da paróquia e não cansava de lembrar o além mar donde seus pais chegaram a fim de criar gado no Grão Pará. O moleque, entretanto, queria ser igual ao finado tio Mundico que seguiu a tradição de navegantes da família, prático de navegação do Amazonas e gostava de puxar conversa com Vovó Tapuia só pra ela falar da primeira noite do mundo. “Diz-que, antigamente, não havera noite – a velha repetia a mesma estória, pela fé das mil e uma noites de Vilarana; pitando cachimbo de barro de sempre – era um dia só de sol a pino que nunca se sentava pra dormir na terra”.

Égua! Já pensou? O povo pegado ao trabalho sem repouso nem nada, nem a lua aparecia uma vez sequer pra consolar a gente... Antão, houve um acontecimento formidável no Amazonas: a filha da cobragrande ia se casar e mãe lá dela resolveu dar de presente à noiva a primeira noite do mundo. O diabo é que a noite estava escondida dentro de um caroço de tucumã no fundo do rio. E lá foram três cativos da cobragrande buscar a noite: eles escutaram uma zoada estranha dentro do caroço e os três abelhudos, ardendo de curiosidade, cuidaram logo de rachar o tucumã pra ver o que havia dentro... “oh, por Deus! – disse a velha – deu-se uma desgraça e tanto pela afobação daqueles três despreparados”. Pois, através da racha escapou uma sombra medonha, paresque, que nem a caixa de Pandora, e os bichos da noite com a escuridão de súbito povoaram a terra de uivos, pios, coachos, gemidos, sono e pesadelo antes de dar tempo à gente pra ver na boca da noite o sol descer do céu e se deitar na rede encarnada do Araquiçaua...

Tio Mundico gostava muito de ouvir contos dos mais velhos pra inventar um ponto a mais e recontar a bordo durante horas ao curso de longos estirões do infinito Amazonas: o qual não se navega duas vezes, ainda que se faça centos de viagens rio acima e abaixo... O tio pegava navio estrangeiro na entrada da barra do Pará levava até Manaus e voltava com carregamentos de borracha e casos de marinheiro e namoradas de beira do rio de passagem por seringais e portos de lenha para atiçar a caldeira do navio movido a cavalos vapor.

Era este o movimentado ofício que Quinquinhas mais pedia a Deus, nada de vida devota de padre nem tédio de viagens transatlânticas: do velho mundo já lhe bastavam os antepassados do avô Afonso Galício, coitados, que serviram de bucha de canhão a aturar guerras sem fim dos monarcas... Quando calhava, tio Mundico vinha as ilhas e parava no Curralpanema a fim de rever a família de Vilarana. Antão, a melhor parte da viagem ficava em casa compartilhada com os parentes: haver de casos e novidades do grande rio que nunca se navega duas vezes, paresque; tão grande e vário como o vasto mundo.

Ouvindo o pai falar daquele seu finado irmão por parte mãe, Quinquinhas premeditava ser um dia também ele prático de navegação do rio Amazonas. Acordado ou dormindo o pirralho ia desenhando na imaginação o roteiro de viagem do tio Mundico Rodrigues. No fundo da rede, tarde da noite em silêncio com as sombras do quintal tisnando a folhagem do tamarindo parrudo, o pirralho às vezes escutava distantes sirenes de navio-vapor passando ao largo no misterioso Amazonas: era, será, o navio encantado com fantasmas a bordo?

Diziam em Vilarana que a ilhinha em face ao Fim do Mundo, em certas noites, se transformava em cobragrande ou navio encantado e assim vogava a ilha em riba da maré, da boca do Curralpanema pelo outro rio até o mar afora da ponta do Maguari. Vestígios da primeira noite do mundo, será?

Tio Mundico contava, outro dia ia ele a bordo de canoa à vela do vilar pra cidade grande a fim de pegar serviço do Loide, quando ao atravessar a baia, coisa mais ou menos de meia-noite, devido à hora que a maré deu pra largar do trapiche da vila que nem vila era, uns tantos quantos passageiros da igarité avistaram aquele paquete todo iluminado como um facho enorme luzindo em meio à escuridão. Coisa mui estúrdia, pois em vez do buque navegar por fora; no canal, como devia; o navio passava pela beira em riba do baixio de pedras. “Espera! – disse um espantado navegante a bordo da “Caripirá” – aquilo lá, paresque, é o tal navio encantado”.

O vento ventava, o mar zoava, banzeiro estrondava e o navio fantasma, paresque, se aproximando a todo vapor a modo vir cortar a proa da canoa. Na igarité, vela e bijarrona estufadas pelo vento terral o piloto chamado Parriba sem mais poder virar o leme e mudar a carreira sem perigo de meter a canoa ao fundo: tão perto ouviram-se música como de uma orquestra e vozes de muitas pessoas em festa a bordo do navio assombrado (física quântica, ufologia, universos paralelos!, diria o doutor Virgílio no bar do Emérito ao saber do relato, tempos depois).

Foi um espanto danado, dizendo o finado; quando passageiros e tripulantes com gritos presos na garganta viram o gaiola a ponto de abalroar a "Caripirá" e, num átimo no derradeiro instante do encontrão, tudo se dissipar diante dos olhos atônitos. O tio, sério, “desta vez eu vi o mistério a um palmo do nariz”... Não fosse o medo que corria solto no escuro pela copa das mangueiras e rondava pelas três ruazinhas da vila que nem vila era, toda vez que o pirralho escutava ao longe apitos de vapor altas horas da noite, ele se levantaria da rede puída em camisão para ir debaixo do pé de tamarindo espiar a beira do rio a ver se, por acaso, a ilhinha da Boiúna estava lá no devido lugar ou fora ela atravessar a baía ampliada pelo sonho e o espanto da primeira noite do mundo.




MANHECENÇA CAIPIRA NO MEU PARAÍSO
AUTOR: ACAS -11/05/2013

O dia nasce ao cantar do galo
Dos sabiás e pintassilgos,
Na amoreira rente ao quarto dos meninos
Do mugido das vacas com seus bezerros,
Livres do curral e da ordenha
E o cocheiro chega a casa
Com dois baldes de leite; espumante
Muuuuuuuuuuuuuuuhhhh, reclama
O bezerrinho, ansioso pelo leite escondido da mãe... .
Lá no alto do morro Do angical enfeitado, veem-se as flores
Do ipê amarelo, repleto de aves
Que anuncia o tempo de plantar
Lá no brejo a saracura pia
Chamando filhotes...
Na cerca da casa, o cipó de São João, florido
Onde os coitelo vem buscar o mel
Que divide com a jataí
E um bando de quero-quero fazem a fuzarca
Dirigindo a orquestra da Natureza, que acorda bemol
Um bando de urubus fazem círculos no trecho do eito de arroz...
E os fogo-apagou, fazem vôos rasantes
Com as rolinhas e tico-ticos
Rumo ao palhal da máquina de arroz e café
Que se beneficia, dos quais se alimentam
Correndo os campos no mugido do gado...
E a eguinha preta, que acabou de dar luz ao potro
Que se apoia sobre as pernas, tremilicando...
Escuta-se o mugir fanhoso dos bezerros
Agora alimentados e folgazões
Vê-se no caminho que atravessa o pântano
As cotias e os preás, passarem em bandos
Uma mamangaba de barriga amarela espanta
Um carneiro, que sai dando cambalhotas
Em meio aos cabritos; dando pinotes...
Ouve-se o trote dos potros em reinações
Tomo meu café com leite,
Com bolo de fubá e queijo
E me preparo para ir pescar
Tambiús e lambaris no córrego
Antes, me refresco naquelas águas
Do córrego do Pântano
Depois, apanho as iscas, minhocas!
E as acomodo na lata de massa de tomate
(Algumas, das brabas, tentam sair)
Quarenta lambaris!, depois, volto à casa
Não sem antes apreciar o meu próprio canto
Meu paraíso!!!!!!!!!!!!!!